quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Gatos verdes ajudam na luta contra o HIV?


Ok. A essa altura todo mundo já leu a matéria sobre os gatos verdes. Confesso que demorei para escrever e talvez tenha perdido o timing. Mas para quem quiser um pouco mais de informação do que as resenhas dos sites que encontrei por aí, sugiro que leiam a minha versão da história.
Bom, a ideia de produzir gatos verdes parece ficção científica, mas em pesquisa, nós comumente criamos organismos geneticamente modificados expressando uma proteína verde para que possamos diferenciá-los dos demais. Compliquei? Vou tentar explicar melhor: a proteína GFP (do inglês green fluorescent protein), ou proteína fluorescente verde, foi extraída de uma alga e atualmente é utilizada para localizar alguma modificação. Por exemplo, se pretendemos transplantar células de um animal para outro, podemos inicialmente marcar as células transplantadas com GFP e depois transplantá-las. Dessa forma, podemos facilmente distinguir as células verdes (transplantadas) das células do animal hospedeiro. Ficou claro? Esse é apenas um exemplo, porque as aplicações da técnica são inúmeras.
Recentemente, Pimprapar Wongsrikeao e colaboradores, de Rochester, Minnesota, criaram gatos geneticamente modificados para expressarem GFP. Ou seja, criaram gatos verdes. Para isso, eles injetaram um vírus que carregava GFP nos ovócitos de gatas (antes ou depois da fecundação in vitro) e colocaram os embriões modificados no útero de outras gatas. O processo não é tão simples como pode parecer e de 418 ovócitos infectados com os vírus, 22 embriões foram implantados em diferentes gatas e nasceram apenas 3 gatinhos. Dois machos e uma fêmea receberam o nome de TgCat1, TgCat2 e TgCat3, respectivamente. Tenho que fazer um parêntese aqui para dizer que esses pesquisadores não tinham criatividade nenhuma para dar nome aos gatos! Enfim, os gatinhos eram verdes quando iluminados por uma luz especial e se desenvolveram normalmente, com exceção do TgCat2, que apresentou vários problemas (dermatite, hérnia, problemas no olho). Já comecei a ficar com pena dos gatinhos. Depois que cresceram, eles acasalaram e os filhotes mantiveram a expressão de GFP.
A ideia principal do trabalho era apenas essa, provar que era possível criar um gato transgênico. E parece que esta foi a primeira vez em que essa técnica foi utilizada em uma espécie carnívora. Técnicas diferentes já tinham sido utilizadas, mas o rendimento era muito baixo. Mas, além disso, os pesquisadores colocaram uma outra modificação nos embriões e, além de expressarem a proteína verde, eles expressavam o gene TRIM5α, que confere resistência ao HIV em macacos rhesus. Quando as células dos gatinhos verdes foram infectadas com FIV – o correspondente felino do HIV – os pesquisadores observaram que as células eram resistentes à replicação do vírus! Essa resistência era parcial, apenas, mas o resultado é sem dúvida interessante.
Como ainda não foi feito nenhum experimento de infecção nos animais (não consigo pensar em gatos como cobaias; é muito triste pra mim), ainda não se sabe se apenas esse gene seria capaz de impedir a contaminação dos animais, a replicação do vírus e/ou o desenvolvimento da doença ou se seriam necessários outros genes. De qualquer forma, como existem duas pandemias de AIDS no mundo, uma em humanos e outra em felinos e como o FIV e o HIV são extremamente parecidos, esses gatinhos verdes podem ajudar – quem sabe – no estudo de uma possível terapia gênica contra o HIV. Isso tudo ainda está bem distante e devo dizer que não me senti bem ao pensar naqueles gatinhos verdes no laboratório, mas espero que um dia eles sejam úteis na cura contra o HIV e o FIV.  Quer saber mais? Leia o artigo completo: “Antiviral restriction factor transgenesis in the domestic cat”, de Wongsrikeao e colaboradores (Nature Methods, 2011).


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