domingo, 8 de maio de 2011

A segunda desventura da Marie - continuação

Continuando o post anterior, eu precisava conseguir com urgência um doador para a Marie. Quando meu namorado chegou, ligamos para a minha irmã em Paris explicando a situação e pedindo doação de sangue da gata dela (que estava aqui no Rio). Ela foi mais do que prestativa e conseguiu dois doadores: o Gaspar, gato do Daniel, meu vizinho e amigo de anos da minha irmã (praticamente meu irmão) e a Panqueca, gata dela. Fomos primeiro com o Gaspar para a clínica para ver se eles eram compatíveis. Pelo que eu aprendi, existem 3 tipos sangüíneos de gatos: A, B e AB, sendo que mais de 80% dos gatos domésticos têm sangue do tipo A e o tipo AB é raríssimo. Ou seja, era pouco provável que eles não fossem compatíveis.
Como na clínica eles não têm o kit de tipagem sangüínea, para saber se os dois gatos são compatíveis eles misturam um sangue com o outro e vêem se há aglutinação, ou seja, vêem se há coagulação. Quando o sangue do Gaspar foi misturado ao sangue da Marie, veio o resultado: os dois não eram compatíveis. Ninguém podia acreditar. A veterinária ligou então para um banco de sangue na Lapa e explicou o problema. A bióloga responsável pelo banco disse que eles tinham lá um sangue tipo B que podia ser testado com o sangue da Marie.
Fomos correndo para a Lapa levando uma amostra do sangue da Maroca. A gatinha ficou na clínica em observação. No banco de sangue (que na verdade não possui sangue armazenado, mas vários doadores cadastrados que doam quando necessário) mais uma negativa: o sangue da Marie também não era compatível com o sangue B que eles tinham lá. Confesso que fiquei até aliviada, porque as condições de higiene do local não eram nada boas e eu não queria mesmo ter que comprar uma bolsa de sangue para a Marie lá.
No taxi voltando para a veterinária, acionamos a nossa última possibilidade: a Panqueca. Quando o terceiro sangue testado não foi compatível, a veterinária concluiu que na verdade a Marie estava com uma anemia hemolítica, ou seja, as hemácias dela estavam se rompendo e por isso estava havendo aglutinação com todos os sangues testados. A essa altura já havia saído o resultado da análise inicial do sangue dela e o resultado foi positivo para micoplasma. Como a infecção por micoplasma pode causar anemia hemolítica, comecei a pedir muito para que a anemia dela fosse causada pelo micoplasma e não pelo FeLV.
A essa altura não tínhamos como saber se a Marie era ou não compatível com a Panqueca, mas a veterinária disse que não poderíamos esperar e que a melhor opção seria fazer a transfusão assim mesmo. Foi o que fizemos. A pobre da Panqueca, que não tinha nada, foi anestesiada e virou doadora. Santa Panqueca. Receber o sangue dela foi a melhor coisa que podia ter acontecido com a Marie. Como disse o meu namorado, sangue de fera faz milagre. Impressionante. Logo que chegou em casa, Marie estava bem mais disposta e foi logo comer. Como melhorou rápido a minha gatinha!
Mas a transfusão resolveria apenas o problema imediato. Para tratar a Marie, saímos da clínica com receita para doxiciclina (para combater o micoplasma), um anti-retroviral (para o FeLV) e mais um composto de vitaminas com ferro para a anemia. Começamos o tratamento com a doxiciclina imediatamente, rezando para a anemia ter sido causada pelo micoplasma. A veterinária explicou que o sangue transplantado ficaria cerca de 10 dias no sistema da Marie e que depois disso seria a prova de fogo. Se a anemia fosse causada pelo micoplasma, quando a infecção fosse combatida, a Marie conseguiria manter o hematócrito normal depois que o sangue da Panqueca saísse do sistema dela. Caso a anemia fosse causada pelo vírus, a medula já estaria comprometida e a Marie não conseguiria manter o hematócrito normal. Marcamos um novo hemograma para a semana seguinte.
No meio tempo, uma nova luta para comprar o anti-retroviral. Esses remédios são utilizados para tratar pacientes HIV+ e são fornecidos pelo SUS. Ou seja, é quase impossível comprar. Acabei conseguindo comprar em São Paulo, graças à ajuda da minha tia e do Ronaldo e da Marília, amigos dela que mora lá e compraram o remédio pra mim e me mandaram por sedex. Mais uma luta vencida.
Finalmente fizemos o novo hemograma. Tensão total. O hematócrito normal de gato é de 30 a 45 (pelo menos pelo que eu achei numa busca rápida agora). O da Marie antes da transfusão estava 14. Depois da transfusão, a veterinária disse que esperava que subisse para 24. Após o hemograma, uma surpresa boa: hematócrito de 30%. Marie estava ótima. E o hematócrito se manteve normal todas as vezes que testamos. A anemia tinha sido realmente causada pela infecção oportunista do micoplasma. Nem acreditei.
A infecção por micoplasma foi provavelmente conseqüência da baixa imunológica causada pelo uso de corticóides. Ou seja, apesar da Marie ser FeLV positiva, até agora felizmente o vírus não se manifestou. Dos gatos que entram em contato com o vírus da leucemia felina, cerca de um terço consegue eliminar o vírus (precisamos estudar esses gatos resistentes!!), outro terço desenvolve a doença e o terço restante é portador do vírus mas nunca desenvolve a doença. Torço, rezo e peço muito para que a Marie esteja nesse último grupo. Tento não pensar no futuro. Tento não ler sobre expectativa de vida. Tento aproveitar ao máximo a gatinha linda que está ao meu lado. Tento pensar apenas que essa batalha foi vencida e que por enquanto nada mais importa.
Depois de tudo o que aconteceu, acho importante deixar um alerta para todos que pretendem adotar um gato de rua. Não deixem de adotar!! Adotem, porque ter gato é a melhor coisa do mundo!!! Mas peçam o teste para FIV e FeLV. É importante dizer que apesar de não ter cura, há vacina para FeLV. Essa doença horrível pode e deve ser combatida. Espero que haja mais divulgação da vacina, espero que sejam feitas campanhas de vacinação contra FeLV e que os nossos gatinhos deixem de ser contaminados. Prometo dar mais informações no próximo post.
Termino dizendo que muitos falaram que eu tive azar em adotar uma gatinha com FeLV. Para essas pessoas, eu tenho que dizer que eu tenho é muita sorte de ter a Marie ao meu lado. Não poderia desejar uma gatinha mais perfeita. Termino ainda agradecendo a todos que nos ajudaram a vencer essa segunda desventura da Marie: Daniel, Sérgio, Pedro e Tânia – que levaram ou ajudaram a levar o Gaspar e a Panqueca para serem testados – Vera, Ronaldo e Marília – que me ajudaram a comprar o anti-retroviral. Sem contar o Gabriel, meu namorado, que manteve o controle durante todo o tempo e fez tudo o que eu não consegui fazer. Obrigada a todos vocês.

Nas fotos, a super Panqueca, heroína da Marie, e o Gaspar.
Obrigada pela ajuda gatinhos!!!

sábado, 7 de maio de 2011

A segunda desventura da Marie

Desde que eu criei esse blog, sabia que teria que escrever esse post. E tentei adiar ao máximo, porque a segunda desventura da Marie é um assunto sobre qual eu procuro não pensar. Procuro não pensar porque foi difícil demais na época e porque é difícil ainda pensar no futuro. E se escrevo agora é porque sei que é importante informar a todos aqueles que têm gatos sobre um assunto do qual eu não tinha nenhum conhecimento. E só consigo escrever nesse momento porque a Marie está aqui deitadinha no meu colo me mostrando que está tudo bem.
Partindo então para o relato que espero ser sucinto – até porque é difícil entrar em detalhes –, a segunda desventura da Marie começou como conseqüência da alergia que eu mencionei anteriormente. Quando não se consegue determinar a causa da alergia, o tratamento em geral recomendado é o uso de medicamentos à base de glicocorticóides, que têm ação imunossupressora. Marie tomou dois ciclos de corticóides e depois do segundo ciclo, começou a ficar quietinha, tristonha. Como na época ela estava usando o colar elisabethano para não se machucar com a coceira, achei que a tristeza era por isso. Mas passados alguns dias ela quase não comia e quase não saía do lugar. Para uma gatinha super ativa como a Marie aquilo não podia ser normal. Quando liguei para a veterinária e relatei os sintomas, ela me disse que para levar a Marie correndo para a clínica. Era aniversário do meu namorado. Ele foi trabalhar e eu fui sozinha para o veterinário com a gatinha.
Quando chegamos lá, só de olhar para a Marie a veterinária disse: “ela está anêmica”. Quando ela tirou uma amostra de sangue para analisar o hematócrito, o sangue saía tão lento que ela disse: “ela está muito anêmica”. Enquanto a amostra era processada, ela me perguntou se a Marie já tinha tido pulga e depois parou e perguntou se ela já tinha sido testada para FeLV. Como eu nunca tinha ouvido falar disso, disse que achava que não. Ela se sentou e me explicou então que havia 3 principais causas de anemia em gato. A primeira delas era hemorragia, que não era o caso da Maroca. A segunda era infecção por micoplasma (Mycoplasma haemofilis  ou Mycoplasma haemominutum), que é transmido principalmente por picada e pulga, e a terceira era FeLV.
A sigla FeLV vem do inglês (feline leukemia virus) e significa vírus da leucemia felina. Eu nunca tinha ouvido falar nesse vírus e prometo dedicar um post só sobre esse assunto, mas falando rapidamente, o vírus da leucemia felina é um vírus que causa imunodeficiência semelhante ao FIV (o HIV felino), com o agravante de poder gerar leucemia. Foi muita informação para assimilar em um intervalo de tempo tão pequeno, mas a veterinária me explicou que o vírus não tinha cura e que quando chegava na medula óssea podia causar anemia. Ela me sugeriu fazer o teste e disse que o resultado era bem rápido.
O teste para FeLV e FIV pode ser feito por ELISA ou por PCR. No primeiro caso é bem semelhante ao teste para gravidez (aparece um sinal de + ou – caso o gato seja positivo ou negativo para um ou para os dois vírus). É só pingar uma gotinha de sangue no kit e o resultado sai em cerca de 15 minutos. Fui para a sala de espera desesperada e tentando assimilar tudo aquilo. Fiquei sentada com a Marie dentro da caixinha no meu colo pedindo de todas as formas que eu podia pedir para que a minha gatinha tivesse uma infecção de micoplasma. Nunca vi isso. Ao invés de ter pedido e rezado para que ela não tivesse FeLV, pedi para ela ter uma infecção por micoplasma.
Depois daqueles 15 minutos que me pareceram 15 horas de angústia, fui chamada de volta à sala. Marie foi diagnosticada com o vírus da leucemia felina. Naquele momento eu não conseguia assimilar mais nada. Chorava compulsivamente enquanto a veterinária dizia que o hematócrito da Marie estava baixíssimo e que ela teria que receber uma transfusão de sangue. Disse ainda que se o vírus tivesse chegado à medula óssea não haveria mais nada a fazer senão “colocar fim ao sofrimento dela”. Foi demais para mim. Aquilo não podia estar acontecendo, não com a minha gatinha. E naquele desespero todo eu precisava arrumar sangue para ela porque a veterinária disse que a transfusão precisava ser feita naquele dia. Ou seja, eu tinha que arrumar um gato doador ou recorrer a um banco de sangue.
Nunca tinha pensado nisso, mas não é muito simples conseguir sangue para um gato. Fui para a casa levando a Marie e assim que cheguei liguei para o meu namorado e pedi: “volta”. Era aniversário dele e um dos piores dias da minha vida.

(continua no próximo post)